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Trauma, Memória e Narrativa

Este excerto foi retirado da minha tese de Mestrado “Na Entre-Linha da frente: Estudo antropológico sobre a experiência do traumanos profissionais de saúde que intervêm em contextos de crise”. Estudo este onde foram realizadas entrevista e conversas informais com 8 interlocutores (profissionais de saúde), os quais serão mantidos em anonimato com nomes fictícios.

A relação íntima entre trauma e memória torna pertinente uma nota relativamente às memórias traumáticas. Segundo Barbara Misztal, a memória traumática consiste na “memória que tem origem numa experiência terrível e que é particularmente vívida, intrusiva, incontrolável, persistente e somática” (2003, p. 161).

Trata-se, portanto, de uma expressão mnemónica que indica a persistência do trauma, algo que não foi ultrapassado. Porém, a narração dessa memória pode, em si, ser considerado uma forma de representação e, como tal, uma possibilidade de lidar com o trauma (Bal, Crewe e Spitzer, 1999; Pollock, 2009; Agostinho, 2013).

Apesar do paradoxo traumático (Agostinho, 2013), que decorre do facto de o trauma ser irrepresentável – precisamente pelo facto da onda de choque que envolve a sua formação – a sua eventual superação parece ter lugar por via de certos mecanismos representacionais, sendo a narrativa oral partilhada em ambiente de confiança uma dessas possíveis vias.

Contudo, como também nos revelam os dados recolhidos durante as entrevistas realizadas aos enfermeiros que participaram desta investigação, a partilha com os pares de vivências difíceis, violentas, críticas são igualmente entendidas como estratégias de prevenção do trauma, na medida em que procuram dissipar o impacto do choque antes da formação das marcas traumáticas:

A narrativa é fundamental, principalmente a partilha com os pares, porque são as pessoas que nos compreendem (…). Faz parte do ficar saudável e não deixar que aquela situação de crise se transforme numa situação de trauma posterior. As coisas têm de ser resolvidas no seio da equipa.

Daniela

A este propósito refere Langdon (2009) que “procuramos ouvir as narrativas contadas dos sujeitos acerca das suas experiências e, com elas, procuramos uma compreensão fenomenológica da doença, ou seja, compreendê-la através da expressão do próprio doente” (p.325). A autora advoga igualmente que a narração, o diálogo sobre situações traumáticas entre pares é essencial para o “diagnóstico provisório e a busca de tratamento é um processo sociocultural em que o doente e seu grupo negociam para identificar o problema e determinar o que devem fazer” (p.324).


O facto de a vida dos profissionais de saúde ser continuamente pontuada por situações potencialmente traumáticas, associado ao preconceito e ao tabu em assumir estados de profunda vulnerabilidade perante os pares ou superiores são fatores que contribuem para um certo regime de resistência em pedir ajuda. É, portanto, de sublinhar um outro traço caracterizador destas partilhas entre pares.

A par do que já foi mencionado, podemos referir que estas partilhas funcionam, também, como narrativas de resiliência (Cioccari, 2009; Guterres, 2014), já que estes profissionais relatam e compartilham vivencias diárias em contextos críticos, como um mecanismo que não apenas lhes permite trabalhar as tensões geradas por essas mesmas vivências, como também constitui uma forma de adquirirem ou fortalecerem os seus recursos pessoais e coletivos para lidarem com situações análogas no futuro.

Referências Bibliográficas: Excerto retirado da minha tese de Mestrado, que pode ser consultado em bem como todas as referências bibliográficas: https://www.repository.utl.pt/bitstream/10400.5/23148/1/DISSERTA%C3%87%C3%83O%20MESTRADO.pdf

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