Além disso, sei o como às vezes tenho dificuldade em explicar a alguém o que é um ataque de pânico, o que significam para mim esses eventos para eu os considerar como sendo traumáticos, bem como o receio de contar e que me considerem “maluco”, fingindo, assim, uma normalidade que não é real.
Todos eles, exceto Maria e Alícia, afirmaram nunca terem recebido acompanhamento psicológico, mas também porque nunca o procuraram, não especificando, contudo, se consideram ter ou não precisado. Todos me referiram, exceto o Renato, contudo, uma má formação e preparação de nível universitário relativamente à saúde mental e às adversidades da sua profissão.
Esta interlocutora (Maria), que atualmente trabalha numa unidade de saúde, afirmou que, no passado, prestou serviço num hospital, mais especificamente na área da cirurgia pediátrica. Afirmou, relativamente à saúde mental, que já tinha tido acompanhamento psicológico, referindo o seguinte: “sim, por causa de tudo, profissional e pessoal. Porque uma coisa afetava a outra”, confidenciando-me ainda já ter passado por estados de ansiedade relativos a acontecimentos ocorridos no desempenho das suas atividades.
Francisca e Tiago partilharam igualmente que vários colegas no âmbito de programas internos de ajuda (programas existentes nos seios hospitalares para auxiliar possíveis “vitimas de trauma” adquirido no decorrer da profissão) foram contactados para usufruírem de ajuda ao nível de psicologia, porém, ao que sabe, todos a negaram.
Esta ajuda entre pares é importantíssima, pois como refere a antropóloga Langdon (2009) – especialista em Antropologia da Saúde – “decidir ou interpretar que você está doente é um processo que é construído junto ao seu grupo, envolvendo noções compartilhadas sobre o corpo, seu funcionamento e quais sinais indicam que algo está errado, a gravidade da situação e como interpretá-la” (p.324). Ou seja, muitas vezes é no contacto e partilha entre pares que os indivíduos descobrem que algo de anormal se passa.
Considero que a recusa de acompanhamento a este nível relatada por Francisca e Tiago, talvez seja motivada por questões de vergonha e de medo do escrutínio público, bem como pelo receio em admitir que existe algo de errado, pois por vezes a negação torna invisível o problema. Porventura, por se tratar de um problema endémico e logo de difícil identificação, já que é “algo que os serviços sabem” que o enfermeiro tem (…) ainda que ele próprio não o saiba, pois crê em outra coisa” (Pereira, 2018, p.85).
Francisca afirma que “agora se fala mais, quando se falava em burnout e em exaustão e tudo isso, as pessoas pensavam “coitadinho, é fraquinho, tem de ir ao psicólogo”. Era quase olhado como não tendo capacidade para ser enfermeiro”, ficando aqui patente o forte preconceito existente, e que causa extrema pressão, para além do impacto negativo em minimizar e silenciar vulnerabilidades a que, na verdade, todos nós podemos estar sujeitos.
Já Tiago salienta que ao nível da formação a saúde mental era algo negligenciado, e mal explicado, sendo que o mesmo só anos mais tarde e a partir do contacto com enfermeiros da área da psicologia percebeu as dimensões e a importância da saúde mental.
Atualmente, tanto Francisca, Magda, Alícia, Daniela, Maria, bem como Tiago afirmam pertencer a equipas e programas onde “isto se fala”, onde o erro quando surge, não é de imediato seguido de uma acusação, em que a compreensão e a partilha entre pares é incentivada (de situações de potencial trauma primário e secundário e stress traumático secundário e trauma vicariante).
Magda, referiu, ainda, que “pensa que não há tabu, que sempre se falou abertamente”, o mesmo indicaram Daniela e Maria, ficando aqui patente que o silêncio em relação ao trauma varia de contexto para contexto, de equipa para equipa.
Referências Bibliográficas: Excerto retirado da minha tese de Mestrado, que pode ser consultado em bem como todas as referências bibliográficas:https://www.repository.utl.pt/bitstream/10400.5/23148/1/DISSERTA%C3%87%C3%83O%20MESTRADO.pdf