Mas, segundo este mesmo autor, é tempo de deixarmos de entender a crise unicamente como algo que decorre de um determinado contexto, para passarmos a compreendê-la como resultado de um processo lento de “mudança negativa” (p.9), o que naturalmente se reflete, também, no entendimento sobre o(s) trauma(s) decorrente(s) dessa vivência mais ou menos prolongada, e, por consequência, da sua superação anímica e psicológica, quer em termos individuais como coletivos.
A presente investigação, e acima de tudo os dados recolhidos por meio da realização de entrevistas, permitiram observar que, o que para um dado indivíduo pode ser considerado um episódio de crise, para um outro pode ser algo banal, ou, ainda que possa ser considerado um acontecimento crítico, não ser suficientemente impactante para gerar marcas ou para originar processos traumáticos que alterem profundamente a sua vida.
O que os dados revelaram vai, portanto, ao encontro dos diferentes limiares de trauma definidos por Friedman (1997), bem como de a crise poder parecer ser entendida como “a vida normal” Bordonaro, et al., (2009) por parte de alguns indivíduos, em que estes não se deparam da sua vivencia, embora sofram com a mesma sem se aperceber, ou seja, não significa que não se sofra, mas sim que este sofrimento não é devidamente percecionado por quem o vive.
O conceito de crise é, à partida, complexo. A partir de uma perspetiva antropológica, pode afirmar-se que a cultura permite que as sociedades experienciem e respondam de modo específico às crises. Porém, no seio de um coletivo nem todos a vivem exatamente do mesmo modo. Daí a importância de questionarmos diferentes pessoas no seio de um mesmo grupo profissional, já que vivem coletivamente certos acontecimentos, mas o modo como decorre essa experiência e o eventual trauma que daí emerge pode apresentar nuances particulares (Erikcson, 1995; Vigh, 2008). Vigh (2008) afirma que a crise como um contexto se expressa por meio de duas dimensões que estão interligadas, sendo elas a crise social e a crise pessoal, já que “malformações de processos sociais muitas vezes resultam em crises pessoais” (p.13).
Dito de outra forma, assim como as estruturas de uma sociedade podem mais facilmente colapsar pela impreparação das mesmas para lidarem com crises, coloca-se a hipótese de o mesmo poder acontecer com certos grupos profissionais mais suscetíveis de lidarem com acontecimentos intensos sob o ponto de vista físico, psicológico e também emocional.
A inexistência de formação específica para lidar com acontecimentos ou processos críticos poderá, eventualmente, contribuir para que, ao enfrentar certas situações extremas, esses grupos ou indivíduos possam, também eles, ser profundamente afetados.
Referências Bibliográficas: Excerto retirado da minha tese de Mestrado, que pode ser consultado em bem como todas as referências bibliográficas: https://www.repository.utl.pt/bitstream/10400.5/23148/1/DISSERTA%C3%87%C3%83O%20MESTRADO.pdf